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Coimbra ainda não aprendeu?

Coimbra, a Cidade do Conhecimento e dos Estudantes, não parece ter aprendido nada com as últimas duas décadas, tal como o resto do país. Uma área florestal que já tinha ardido em 2005, 2012 e 2017, volta a arder nas mesmas circunstâncias. A imagem retirada do Google Street View de 2023 mostra o estado do sistema antes do incêndio: um eucaliptal desordenado, infestado por espécies invasoras e ainda com as marcas visíveis de incêndios anteriores. Uma floresta que "só serve para arder". 

Este terreno, como muitos outros, não gerou um único cêntimo desde a última vez que ardeu. Uma área que em nada contribuiu economicamente, socialmente ou ambientalmente para o país. E assim continuamos, sem uma política de fundo para a reforma florestal que Portugal há muito necessita. Milhares de hectares abandonados à sua sorte. 

Entretanto, o que se vai fazendo são medidas cosméticas e, muitas vezes, contraproducentes: faixas de gestão de combustível que nada fazem contra os incêndios em dias como estes, dias que acabam por definir uma época de incêndios, como aconteceu também em 2017. Faixas de gestão cegas, que frequentemente delapidam áreas ecológicas importantes e destroem os nossos principais aliados no combate aos incêndios, às alterações climáticas e à crise de biodiversidade: as escassas florestas maduras de folhosas nativas. 

O panorama do país agrava-se ano após ano, incêndio após incêndio. O solo perde-se, os eucaliptais e as invasoras avançam descontroladamente, e as oportunidades de reverter a situação tornam-se cada vez mais escassas. E não é apenas fruto dos incêndios; também a área de eucaliptal ilegal em Portugal continua a crescer. A Milvoz já registou mais de uma dezena de denúncias de eucaliptais ilegais na região de Coimbra, que têm vindo a substituir as poucas áreas de floresta autóctone, mesmo após a lei de proibição de novas plantações. Os proprietários blindam-se com licenças anteriores à data da lei (que despoletou uma verdadeira corrida às licenças), enquanto outros, mesmo pagando uma coima, não são obrigados a reconverter para o uso de solo anterior, permitindo o estabelecimento dos eucaliptais. 

Afinal, em que país queremos viver? Como vemos o futuro do mundo rural em Portugal? O Titanic vai-se afundando, mas a orquestra continua a tocar! Há dois anos, a Milvoz enviou uma carta à Secretaria de Estado das Florestas com um conjunto de medidas que consideramos necessárias para melhorar o panorama florestal de Portugal e reduzir a perigosidade de incêndios. Outras organizações, empresas e especialistas da área continuam a apelar por novas medidas de prevenção e pela tão necessária reforma. No entanto, até hoje, muito pouco foi feito, além das dispendiosas faixas de gestão de combustível em milhares de hectares todos os anos, que mais não são do que meros remendos a curto prazo. Sem uma verdadeira transformação do território rural em Portugal, bem como da sua gestão e conservação, pouco daquilo que está a ser feito será eficaz. 

É triste saber que, mais uma vez, teremos dias em que a floresta estará no centro do debate, mas tal como o fumo, esse debate tambémse dissipará e cairá no esquecimento até ao próximo verão. 

Defendemos uma reforma florestal, uma solução integrada que ajude à mitigação, e especialmente, à adaptação às alterações climáticas, à crise da biodiversidade e à problemática dos incêndios florestais: 

  • Compartimentalizar a paisagem rural com recurso à reflorestação com floresta autóctone de folhosas nativas e sistemas agroflorestais compatíveis, promovendo uma reconversão em larga escala. 

  • Reduzir substancialmente a área total de monoculturas de rápido crescimento, com regras vinculativas, limites de extensão, obrigatoriedade de licenças de exploração industrial e maior fiscalização das áreas. Sanções pesadas devem ser aplicadas quando os limites não são respeitados, e a reconversão obrigatória deve ser exigida em casos de plantações ilegais. 

  • Revisão da legislação relativa à gestão das faixas de combustível, que é profundamente desadequada, ineficaz e, muitas vezes, contraproducente. Defendemos que, em vez de cortar arvoredo autóctone adulto, se aumente a sua densificação e a respetiva área, criando zonas sombreadas e com maior teor de humidade. 

  • Apoio à profissionalização de cadeias de valor variadas e adaptadas a cada região, combatendo o paradigma da ausência de alternativas, que persiste entre os pequenos produtores florestais portugueses. 

  • Aumento significativo do controlo de espécies invasoras (especialmente acácias, devido ao seu impacto nos incêndios florestais e, sobretudo, após estes). 

 

Estas mudanças só serão possíveis se forem dadas condições adequadas aos proprietários. Será necessário implementar sistemas de financiamento adaptados às circunstâncias dos pequenos produtores rurais, sistemas competitivos de pagamentos por serviços de ecossistema, e a promoção de modelos de gestão agrupada, além do rápido avanço dos sistemas de emparcelamento (ainda muito dispendioso para quem o procura fazer) e expropriação de terrenos abandonados. 

Já existem algumas iniciativas na direção certa, como os programas de transformação da paisagem, mas é necessário fazer mais, com maior rapidez e maior abrangência territorial. Com uma política de longo prazo, as nossas florestas podem tornar-se mais produtivas e sustentáveis, aproximando-se das suas potencialidades em termos de serviços prestados à sociedade, como acontece nos países vizinhos. 

A recente aprovação da Lei de Restauro Ecológico da União Europeia chega em boa hora. Sim, será uma oportunidade única de reverter a situação e dar um futuro melhor à paisagem portuguesa. Esperemos que esta seja posta em prática em linha com uma estratégia holística de desenvolvimento sustentável para o país. 

 

Agora, Coimbra, é demasiado óbvio! Tal como aconteceu em 2005, 2012, 2017 e 2024, se nada mudar, em poucos anos estaremos novamente a viver o mesmo. E poderá ser muito pior, pois as condições climáticas seguramente não melhorarão. Por isso, porque não podemos agir preventivamente? Porque não podemos transformar a floresta do concelho? E que tal a criação de um verdadeiro anel de floresta autóctone e outros sistemas resilientes que protejam a cidade? Salvaguardando os sítios que ainda restam pela franja calcária e restaurando os locais críticos onde o fogo insiste em entrar, a leste da cidade! 

Podemos não só proteger a cidade como aumentar verdadeiramente a qualidade de vida de quem aqui vive ou nos visita! Um projeto pioneiro deste tipo seria algo digno de uma cidade que se diz do “conhecimento”. 

A Milvoz, juntamente com outras ONGs, empresas e cidadãos preocupados, criaram um grupo de trabalho multidisciplinar com vista à reforma das práticas de gestão do fogo em Portugal. Para se juntarem à iniciativa, podem contactar-nos diretamente! 

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