Sem qualquer ação prática por parte das entidades competentes, a mortalidade sistemática de aves em redes transparentes de aquaculturas continua a ocorrer de norte a sul do país. Enquanto isso, o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) continua sem agir no sentido de mitigar o problema, não tendo igualmente disponibilizado qualquer atualização relativa ao estudo que estaria a levar a cabo, e que seria divulgado em Maio de 2021.
Em Março de 2021, a MilVoz denunciou a inação, cumplicidade e aparente indiferença do ICNF face à morte indiscriminada e avassaladora de várias espécies de aves nos estuários portugueses. Ao colidirem com as redes transparentes que protegem da predação os peixes produzidos em tanques a céu aberto, as aves ficam presas, gravemente feridas e condenadas a uma morte lenta e sofrida. As respostas do Instituto à denúncia da MilVoz, ora pela imprensa ora através das suas redes sociais, deixaram mais questões do que certezas e não apontaram para qualquer indício ou perspetiva de resolução do problema.
Sabe-se até ao momento que o ICNF se encontrava a realizar um estudo de monitorização do impacto destas redes na avifauna selvagem, cujos resultados seriam apresentados em Maio de 2021. Desde então, e um ano após o começo do estudo, os resultados continuam ainda por divulgar, bem como o procedimento reproduzido para a metodologia e os pressupostos deste mesmo estudo, que permanecem um mistério.
Há alguns meses, numa deslocação pontual ao terreno, membros da MilVoz encontraram vários cadáveres de aves suspensos numa rede de um tanque piscícola que já não se encontra em utilização. Apesar de não haver qualquer atividade empresarial envolvida nesse momento, as redes transparentes mantinham-se no local, o que mais uma vez revela a falta de proatividade das entidades competentes em evitar o flagelo aqui retratado. O alerta da MilVoz levou à desinstalação desta estrutura por parte do proprietário, ficando em aberto o porquê de tal não ter sido previamente promovido pelas entidades fiscalizadoras, uma vez que a piscicultura já se encontrava inativa há bastante tempo.
Em Novembro, detetámos um guincho com vida numa rede de uma piscicultura em atividade. Depois de termos alertado para a situação, a ave foi removida da rede com notórias fraturas nas asas, embora tenha conseguido escapar a nado para a margem do tanque. À distância a que nos encontrávamos não pudemos seguir o acontecimento, mas foi-nos relatado que era impossível capturá-la de novo. O SEPNA dirigiu-se ao local após o contacto da MilVoz, tendo sido informado pelo responsável da exploração que o guincho, a mesma ave que observámos com as asas fraturadas, teria voado.
Mais recentemente, deram entrada num centro de recuperação de fauna selvagem (RIAS) 24 aves encontradas presas num único tanque de uma piscicultura no Algarve. Entre estas encontravam-se flamingos, colhereiros, corvos-marinhos, galeirões, garças e gaivotas, sendo que apenas 9 indivíduos sobreviveram.
Passaram-se mais de dois anos e meio desde que o ICNF convocou um grupo de trabalho no qual se incluíam a Direção Geral de Recursos Marinhos, a Associação Portuguesa de Aquacultores e as associações ambientalistas MilVoz e SPEA. Já nesta fase, a inércia do ICNF foi considerada inapropriada e incompreensível face à urgência do problema. Enquanto nada muda na conduta deste organismo, continuam a ser inúmeras as aves a ter o seu destino traçado, das mais comuns às mais ameaçadas. Numa altura em que a preservação da biodiversidade está na ordem do dia, o ICNF escolhe ignorar o problema. Neste processo todo, a única transparência que encontramos é a das redes de nylon. O intrigante estudo, esse, permanece escuro como a noite, enquanto as aves continuam, de forma absolutamente desnecessária, a morrer nesta armadilha.
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